domingo, 27 de novembro de 2011

'Viola no saco' : fábula recontada por Tatiana Belinky


ILUSTRAÇÃO: Rogério Borges
Inicialmente, parabenizar o belíssimo trabalho apresentado pela 'NOVA ESCOLA'. Outras histórias podem ser acessadas no endereço a seguir:
http://revistaescola.abril.com.br/leitura-literaria/era-uma-vez-fabulas.shtml

Vocês sabem por que quando alguém perde uma discussão, ou coisa assim, e tem de se calar, se diz que "fulano meteu a viola no saco"? Pois eu vou contar.

Há muito tempo, quando os bichos falavam e muitas coisas eram diferentes, havia muita festança no mundo. Um dia houve uma festa no céu e todos os bichos foram convidados. Entre eles, um dos mais esperados era o Urubu, porque as danças dependiam das músicas que ele tocava na viola.

No dia da festa, o Urubu enfiou sua viola no saco e, antes de iniciar a viagem, foi beber água na lagoa. Lá encontrou o Sapo Cururu, que se secava ao sol. Enquanto o Urubu bebia, o espertalhão do Cururu, que também queria ir à festa, se escondeu dentro da viola para viajar de carona.

Quando o Urubu chegou ao céu, foi muito bem recebido, pois todos esperavam por ele para começar a dançar o cateretê e a quadrilha. Mas antes o chamaram para beber umas e outras.

O Urubu foi, deixando a viola encostada num canto. O Cururu aproveitou para pular da viola sem ser visto e foi se empanturrar com os quitutes da festa. O Urubu também comeu e bebeu até não poder mais e não viu que o Cururu, aproveitando uma distração sua, se escondera de novo dentro da viola para tornar a tirar uma carona na volta para a terra.

Quando chegou a hora de voltar, o Urubu guardou a viola no saco e saiu voando de volta para casa. Durante o vôo, estranhou que a viola estivesse tão pesada. "Na vinda foi fácil, mas na volta está difícil. Será que fiquei fraco de tanto comer e beber?", pensou ele. Por via das dúvidas, examinou o saco com a viola e acabou descobrindo o malandro do Sapo Cururu agachado lá dentro. Furioso por ser usado desse jeito, o Urubu começou a sacudir o saco com a viola, para despejar o Cururu lá do alto e se ver livre dele.

O Cururu, com medo de se esborrachar no chão pedregoso lá em baixo, recorreu à sua proverbial esperteza e começou a gritar: "Urubu, Urubu, me jogue sobre uma pedra, não me jogue na água, que eu morro afogado!".

O Urubu, tolo, querendo se vingar do Sapo, viu lá de cima uma lagoa e tratou logo de despejar o Sapo dentro d’água, que era pra ele se afogar. O espertalhão do Cururu, que só queria era isso mesmo, saiu nadando, feliz da vida. O bobão do Urubu só não ficou "a ver navios" porque não havia navios naquela lagoa. E é por isso que, quando alguém perde a partida e tem de sair quieto e calado, dizem que "fulano teve de meter a viola no saco"...

Fábula recontada por Tatiana Belinky
Ilustrada por Rogério Borges

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Autoestima liberta, Literatura salva!


Um jeito lúdico de ensinar literatura está mudando para melhor a vida de muitos estudantes de escolas públicas na zona leste da cidade de São Paulo. O Academia Estudantil de Letras (AEL) é uma estratégia pedagógica que tem dado tão certo que começa a ser levado agora para cidades vizinhas e já atravessou a fronteira do estado.
Inspirada na Academia Brasileira de Letras, a AEL foi criada, em 2005, na Escola Municipal Padre Antônio Vieira, no Jardim Nordeste, na região de Artur Alvim, bairro da zona leste da capital paulista, onde 18 escolas da rede municipal de ensino fundamental já contam com a metodologia. Nessas instituições 85 estudantes fazem parte de 61 cadeiras literárias.
Uma unidade da academia já foi implantada, inclusive, no Rio Grande do Norte, disse a idealizadora do projeto Maria Sueli Fonseca Gonçalves, atual assistente técnico de educação da Diretoria Regional de Educação, órgão da prefeitura de São Paulo.
Ela explicou que a ideia é despertar no aluno o interesse pela escola trabalhando a sua autoestima. “O que nós buscamos é um conceito de inclusão, de trabalhar a autoestima, mostrar o potencial de cada um. Já pudemos ver casos de alunos que toda a semana tínhamos de chamar os responsáveis por causa de seus atos de indisciplinas mudarem o seu comportamento”, disse. “Tentei criar uma maneira lúdica de incentivar crianças e jovens o amor pela leitura. Na medida em que eles leem os livros, imitam personagens, refletem sobre as ações destes personagens e, com isto, estão pensando na própria vida”, explicou.
Nas unidades, os alunos também são estimulados a conhecer a vida e a obra de autores que vão dos clássicos de séculos passados aos contemporâneos. As aulas ocorrem uma vez por semana e a maioria tem idade entre 6 anos e 14 anos de idade, mas são admitidos também estudantes mais velhos do curso Educação de Jovens e Adultos.
A reportagem da Agência Brasil acompanhou uma das aulas conduzida pela professora Ana Carolina D’ Almeida e Silva, da Escola Municipal Padre Antônio Vieira, no dia em que o escritor apresentado aos alunos foi o poeta Manoel de Barros, que completou 95 anos de idade ontem (19). “Vejam como ele busca inspiração dos elementos do dia a dia”, explicou a professora para os alunos ao analisar uma das poesias do poeta que vive em Mato Grosso.

Fonte: Agência Brasil

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Vamos realfabetizar nossas crianças?


No primeiro semestre deste ano, a Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização), realizada pela primeira vez nas capitais de todo o país por crianças que concluíram o 3º ano do ensino fundamental, apontou que 43,9% não aprenderam o que era esperado em Leitura para esse nível de ensino.
Em relação à Escrita, 46,6% não atingiram o esperado.

Parceria do Todos Pela Educação com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a prova foi aplicada em escolas públicas e privadas, e mostrou que mesmo nas particulares nem todos os alunos atingem 100% de aproveitamento.

No caso da Leitura, 48,6% dos estudantes da rede pública tiveram o desempenho esperado. Nas particulares, o percentual foi de 79%.

Em relação à Escrita, 43,9% dos alunos matriculados na rede pública aprenderam o esperado, e 86,2% na rede privada.

- Nenhuma criança pode concluir esse período, chamado de ciclo de alfabetização, sem estar plenamente alfabetizada. O que a prova mostra é que estamos ampliando a desigualdade educacional, já que muitos alunos não têm as ferramentas básicas para os anos seguintes - diz Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação, ressaltando que mesmo as escolas particulares enfrentam problemas: - São instituições que ensinam para alunos com mais acesso à cultura e pais escolarizados, por exemplo, mas ainda assim não têm 100% de alfabetização ao término do 3º ano.

- O governo precisa entender que temos um problema. O Brasil não tem método, não tem objetividade na hora de alfabetizar. Sem método, a criança brilhante aprende e as outras não. Desse jeito também, muitas acabam aprendendo por teimosia, porque foram ficando na escola, não porque aprenderam na época correta - diz João Batista de Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beta, que não vê com bons olhos a recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) de que as crianças não devem ser reprovadas nos três primeiros anos do fundamental, porque cada uma tem um ritmo de aprendizagem:

- É irresponsável dizer que cada criança aprende no seu ritmo. Isso é um atraso. A criança que não é alfabetizada aos 6 anos fica com dificuldade para aprender outras disciplinas. No segundo ano, o professor não é preparado para ensinar o que ela não aprendeu e os livros já exigem que ela saiba ler.

Mãe de um menino de 9 anos, que cursa o 4º ano do fundamental numa escola municipal da periferia de São Paulo, Vanessa Alves da Silva percebeu, durante uma ida ao mercado, que o filho Marcus Ricardo não sabia ler.

- Ele não conseguiu ver o preço dos produtos nem ler o que estava escrito nas embalagens. Eu tento incentivar, dou recortes de jornal para ele ler, mas ele gagueja e não consegue de jeito nenhum. Além disso, ele tem dificuldade para ler as coisas na cartilha. Na aula, é só cópia o tempo todo. O meu mais velho, de 10 anos, também tem problemas para ler - conta Vanessa, que acredita que a defasagem se acentua com o passar dos anos. - Agora, ele vai para o 5º ano sem saber ler.

No 6º ano do ensino fundamental, a neta do vigilante Hamilton de Souza tem dificuldades para ler e escrever. Responsável pela menina de 11 anos, Souza se preocupa:

- Como ela vai arrumar emprego? Como vai fazer para preencher uma ficha de contratação se não consegue escrever?

Tia de um menino de 9 anos, que cursa em São Paulo o 3º ano do fundamental, Jaqueline Alves Costa atribui as dificuldades dele ao excesso de alunos em sala:

- São 28 alunos. A professora não consegue explicar e só manda eles fazerem cópia. Eu acho que ele precisa de aula de reforço e que as classes deviam ter um segundo professor.

Secretária de Educação do município do Rio e conselheira do Todos pela Educação, Claudia Costin reconhece que a prova ABC retrata um problema grave.

- A pesquisa não surpreende em termos de Brasil. O país precisa investir muito forte na alfabetização. A escola é o espaço de oportunidades futuras, e a prova mostra que o índice é frágil mesmo nas particulares. Nas públicas, o resultado é pior, e se a gente já começa perdendo, o apartheid educacional cresce - diz Claudia, que ao assumir a secretaria se deparou com 28 mil analfabetos funcionais no 4º, 5º e 6º anos do fundamental. - Isso representava o seguinte: 14% das crianças desses anos sem ler e escrever. Começamos, então, a realfabetizar os alunos, e tivemos sucesso com 21 mil. No entanto, percebemos que a progressão automática sem reforço escolar e sem acompanhamento faz com que a criança se torne invisível. E aí o insucesso também fica invisível. É preciso definir um currículo claro, oferecer aulas de reforço, formar professores e fazer com que entendam que é fundamental alfabetizar no primeiro ano. Ainda assim, este ano, temos 10.500 alunos em processo de alfabetização nessas séries.

Em São Paulo, a Secretaria municipal de Educação também implantou turmas de reforço no 3º e no 4º ano para atender alunos com dificuldades para ler e escrever. Foram criadas salas de apoio pedagógico para esses estudantes. A prefeitura diz ainda que as notas da Prova São Paulo mostraram, em 2010, um aumento de 25,7% no número de alunos alfabetizados no 2º ano.

Coordenadora pedagógica do Fundamental II, da Escola Edem, no Rio, Rosemary Reis destaca a importância da educação infantil para o sucesso da alfabetização:

- As crianças têm uma leitura do mundo antes da palavra. Por isso, é importante levar a para a sala de aula a possibilidade da criança conviver com textos. Na Edem, com um ano os alunos já manipulam livros, depois começam a conversar sobre o que viram, passam a ter contato com a escrita e com quatro, cinco anos escrevem o nome.

Priscila Cruz também aposta na educação infantil para que o país melhore os índices de alfabetização.

- É a melhor política para combater o analfabetismo. Pesquisas mostram que crianças que frequentam a educação infantil chegam ao 1º ano com um repertório melhor. Se elas não têm acesso à cultura em casa, se os pais não são escolarizados, a educação infantil as prepara, dá equidade.

FONTE: O Globo (Carolina Benevides e Sérgio Roxo)