quinta-feira, 30 de junho de 2011

Toda Palavra

“O silêncio não quer ser sozinho, então ele fala
Quem escreve ouve porque cala
Quem escreve escrava
O que o silêncio
Palavra”

Poema de Viviane Mosé

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Doente de Literatura


O jornalista e editor Paulo Roberto Pires leva a vida entre livros. Lê muito e desorganizadamente. Acumula volumes sem saber por quê.
Escrutina vida e obra dos autores favoritos. Coleciona caderninhos de notas, quase sempre em branco. Quando os usa, anota errática e compulsivamente, registra trechos e citações, rascunha ideias, projeta livros que não passam de esboços.
Antes de enlouquecer, transformou a obsessão num romance. "Se Um de Nós Dois Morrer", publicado pela Alfaguara, é o prontuário de um doente de literatura.
Alter ego de Pires, o protagonista, Théo, morre no começo do livro e orienta postumamente a ex-mulher, Sofia, a se vingar do maior responsável por sua moléstia: Enrique Vila-Matas.
Foi o escritor espanhol quem lhe transmitiu duas enfermidades, o "mal de Montano" (ausência de limite entre o escrito e o vivido) e a "síndrome de Bartleby" (que acomete os que estão impregnados de literatura mas não escrevem, ou renunciam de repente à escrita).
A soma das duas é a "síndrome de Vila-Matas", da qual sofre Pires (ou Théo).
Sofia tem de fazer chegar ao espanhol uma pasta com os escritos de Théo, pois só um "colecionador de esquisitices literárias" como ele poderia ver sentido naquilo.
Na pasta estão cartas não enviadas sobre a internação de Théo numa clínica de reabilitação em que os pacientes são confinados para "não fabular ou cair na tentação de narrar" (escrever é proibido).
Os papéis trazem ainda rudimentos de contos, diários e curiosidades sobre outros escritores doentes.
Seria então a intenção de escrever parte da escrita, e o esboço de livros, literatura?
"Interessa tanto o que a pessoa não escreveu quanto o que escreveu", diz Pires à Folha. "As margens do escritor são muito importantes. O rascunho, o não feito, o fracasso são dados valiosos."
Nascido em 1967 no Rio, Paulo Roberto Pires é editor da revista de ensaios "Serrote" (do Instituto Moreira Salles) e professor de Comunicação da UFRJ. Trabalha com literatura desde 1985, quando, aos 18, começou a fazer resenhas para o "Jornal do Brasil". Foi editor na Planeta e no grupo Ediouro.
Publicou o primeiro romance em 2000 ("Do Amor Ausente", Rocco). Diz que, nos 11 anos até este segundo, teve certeza de que não conseguiria. "Você vai batendo na parede. Talvez seja porque sempre trabalhei com isso, [fui] ficando intoxicado."
O mesmo ocorre com Théo no romance. Pires admite que no personagem há "uns 80%" de si próprio.
Tal qual o autor, Théo é tarado por Walter Benjamin (1892-1940), de quem possuiu uma coleção admirável (uma "benjaminiana").
Ambos viajam muito a Paris, onde, aliás, passa-se o divertidíssimo começo do romance. Seguindo as orientações póstumas de Théo, Sofia espalha as cinzas dele por entre túmulos ilustres do cemitério de Montparnasse.
Dali em diante, Pires não perde a mão. Com tino e estilo de escritor de verdade, ordena os cacos de literatura espalhados pelas páginas e cria um romance satírico que só no delírio do autor estaria fadado ao fracasso.

SERVIÇO:
SE UM DE NÓS DOIS MORRER
AUTOR Paulo Roberto Pires
EDITORA Alfaguara
R$ 36,90 (124 págs.)

FONTE: Site da Folha Uol
Jornalista Fabio Victor – São Paulo

quarta-feira, 1 de junho de 2011

João do Rio e a poesia de "A alma encantadora das ruas"


"A alma encantadora das ruas"

Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia - o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua.

Este pequeno trecho permite degustar um pouco da riqueza narrativa do jornalista e cronista Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio - pseudônimo que nasceu em 1903.
Em crônica de 21/8/2006, Desconstruindo o Rio, Joaquim Ferreira dos Santos destaca sua importância:
(...) João do Rio circulava pelas esquinas, batia perna como quem não quer nada e como devia ser direito de todos. Depois, quando ainda mal existia o jornalismo, (...) eis que João deixava a calçada e subia para a redação. Misturava aquilo tudo que tinha visto numa coisa meio crônica, meio reportagem, combinava ficção com entrevista e instaurava a imprensa moderna nesse fim de mundo".
Vale a pena conhecer a obra de um dos mais talentosos intelectuais do Rio de Janeiro do início do Século XX.