Estava eu posta em sossego sábado à noite, quando me ligou Pedro Lago, desesperado:
- Já mandou o arquivo do livro para a gráfica?
Eu respondi:
- Sim, claro.
- Ih, encontrei outro erro.
- Onde?
- Na citação de Balzac. Tem um R a mais numa palavra e nós não vimos...
- Esse é um erro fácil de passar, depois de tantos que já pegamos...
O livro passou por três provas de gráfica, fora as duas antes de mandarmos os arquivos para impressão. Mas não adianta: quantos mais erros houver no original, mais tempo levaremos para pegar todos, isto é, se quisermos pegar todos. Pois o olho não funciona como um instrumento de precisão. O olho é vago. Ele vê o que quer e o que ele não quer ver, descarta. Oblitera. Sublima.
Assim, toda revisão tem de ser feita de modo regular, periódico, sistemático e, se possível, por quem nunca tenha visto o livro antes.
- Como você encontrou o erro?
- Pedi a meu amigo para ler a citação em voz alta e aí ele viu que estava errado.
Eu disse:
- Pois é, você acabou de experienciar o livro dizendo para você onde ainda havia um erro. De onde você tirou a ideia de ler justamente a citação?
- Sei lá.
- É assim mesmo que funciona. O livro só pode nos fazer encontrar os erros que passaram por acaso, não tem outro jeito, pois nossa leitura é falha. A não ser que tenhamos todo o tempo todo mundo. Mas queremos ver o livro pronto, por isso não temos paciência para esperar.
- Entendi...
Pedro acabava de viver na pele como isso acontece. Pode ser que algum outro errinho tenha escapado. Nas sucessivas leituras que fizemos, eu e ele, sempre encontrávamos algo a mais que não tínhamos visto antes. E este (negligenciado por justamente estar logo na frente, e isso é comum) não poderia passar. Desse modo, de forma sutil, o livro indicou onde estava o erro, pedindo: "Leia-me."
Hoje topei com uma citação de Anaïs Nin: "Lemos aquilo que precisamos. Há quase uma força obscura que nos guia para determinado livro".
Isso eu experimento toda vez que entro numa livraria. O livro me "chama", seja lá onde ele estiver na prateleira. Realmente, é uma força estranha que entra em ação, me chamando para o livro onde ele está, debaixo de um, ao lado de outro, meu olhar busca o livro onde ele estiver escondido, e só pára no momento em que o encontra.
É uma mágica que se instala na atração irresistível de um livro chamando seu leitor: "Leia-me", da mesma forma que ele pede para ser corrigido antes de ficar pronto. É um apelo, um grito, uma dor, como se dissesse: "Corrija-me, por favor".
O antes e o depois de um livro ficar pronto cria uma energia elástica, uma sintonia plástica entre aquele que faz o livro e quem o compra para ler. Existe uma tensão entre aquilo que foi escrito e quem precisa lê-lo. E todas as forças entram em ação para que o objeto encontre seu fim, atinja seu destino.
"Lemos o que precisamos". Nem mais, nem menos. Se não sabe o que ler, espere: o livro o encontrará.
Rio de Janeiro, 10 de março de 2010 - 22h10
Texto de Thereza Christina Rocque da Motta
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